Brasília/DF - O governo tem ido menos à Justiça para cobrar de empresas os gastos com acidentes de trabalho, que vitimam 80 pessoas por hora no Brasil. Uma norma editada em 2013, que passou à Previdência a obrigação de provar a culpa das corporações, é apontada como um dos motivos para essa redução.
O País ocupa o quarto lugar em número de mortes decorrentes da atividade profissional, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Quando um trabalhador sofre um acidente, recebe um benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como o auxílio-acidente ou a pensão por morte. Esse último, pago à família. Caso o patrão seja responsável - por não garantir a segurança de seus empregados - o INSS pode buscar ressarcimento desse gasto, por meio do que é conhecido como ação regressiva.
Mas o número de processos abertos é mínimo em comparação ao número de ocorrências. De 2007 a 2013, quando esse tipo de cobrança ganhou fôlego, o governo registrou, por ano, 700 mil acidentes de trabalho, ante 380 ações regressivas.
Ao todo, o governo contabiliza 3.181 processos do tipo, nos quais cobra R$ 161 milhões, segundo um levantamento obtido pelo iG por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Só em 2012, a Previdência gastou R$ 651,8 milhões em benefícios acidentários.
A análise dos 2.797 processos que possuem indicação da data em que chegaram à Justiça mostra que as ações regressivas dispararam a partir de 2007, atingiram o pico em 2009, e desde então se tornaram cada vez mais raras. Em 2013, foram propostas 387 ações - 31% a menos que o recorde de dois anos atrás.
O valor total dos processos, por outro lado, disparou. As ações apresentadas em 2007 somavam R$ 3,9 milhões, enquanto as de 2013 têm um valor total de R$ 32,9 milhões. Em alguns casos, não há valor informado.
Para advogado, regras mais duras restringem a cobrança
Um dos motivos para a redução foi a edição, em 2013, de regras que obrigam o INSS a provar que houve culpa da empresa no acidente, sugere Alessandro Cardoso, estudioso de ações regressivas e sócio do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.
"A portaria [editada pelo INSS e pela Procuradoria-Geral Federal em janeiro de 2013] colocou requisitos rigorosos", afirma Cardoso. "Antes, estavam obrigando as empresas a fazer prova negativa [comprovarem que não tiveram culpa]."
O advogado, favorável às novas regras, acredita que a mudança irá fazer com que os juízes se tornem mais exigentes em relação aos pedidos de ressarcimento feitos pelo INSS - hoje, o instituto vence a maioria dos casos, afirma.
"A ação regressiva tem uma repercussão econômica alta [para o empresário], pois o obriga a pagar um benefício durante décadas."
Falta de auditores fiscais prejudica trabalho, diz sindicalista
A falta de auditores-fiscais do trabalho (AFT), responsáveis por levantar as provas sobre falhas de segurança no caso de um acidente, tem prejudicado a cobrança, avalia o sindicalista e diretor do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), Gilberto Almazan.
"O que a AGU aqui em Osasco [Grande São Paulo] diz é que as investigações são de péssima qualidade", afirma Almazan. "Os fiscais demoram em média quatro meses para ir ao local de trabalho após um acidente. Quatro meses depois, o ambiente já não é o mesmo e a investigação fica prejudicada."
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2012 o Brasil tinha uma carência de cinco mil auditores para ter uma fiscalização do trabalho efetiva. Almazan, do Diesat, afirma que a carência chega a 70% do número ideal no Estado de São Paulo.
Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pelos processos, não comentou os motivos da redução no número de processos. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também não comentou os dados do Diesat.
Imagem Beto Soares/Estúdio Boom
Data: 26/02/2014 / Fonte: Portal iG / Revista Proteção